Naturalismo

Naturalismo
Naturalismo é uma escola literária conhecida por ser a radicalização do Realismo, baseando-se na observação fiel da realidade e na experiência, mostrando que o indivíduo é determinado pelo ambiente e pela hereditariedade. A escola esboçou o que pode-se declarar como os primeiros passos do pensamento teórico evolucionista de Charles Darwin.

Literatura
Os romances naturalistas destacam-se pela abordagem extremamente aberta do sexo e pelo uso da linguagem falada. O resultado é um diálogo vivo e extraordinariamente verdadeiro, que na época foi considerado até chocante de tão inovador. Os naturalistas acreditavam que o indivíduo é um mero produto da hereditariedade e o seu comportamento é fruto do meio em que vive e sobre o qual age. A perspectiva evolucionista de Charles Darwin inspirava os naturalistas, que acreditavam ser a Seleção Natural impulsionadora da transformação das espécies. Assim, predomina nesse tipo de romance o instinto, o fisiológico e o natural, retratando a agressividade, a violência, o erotismo como elementos que compõem a personalidade humana.
Os autores naturalistas criavam narradores omniscientes e impassíveis para dar apoio à teoria na qual acreditavam. Explorava temas como a homossexualidade, o incesto, o desequilíbrio que leva à loucura, criando personagens que eram dominados pelos seus instintos e desejos, pois viam no comportamento do ser humano traços da sua natureza animal.
No Brasil, a prosa naturalista foi influenciada por Aluísio Azevedo com a obra O mulato, publicado em 1881, marcou o início do Naturalismo brasileiro, a obra O cortiço, também de sua autoria, marcou essa tendência.
O Naturalismo brasileiro
O Naturalismo é uma corrente integrada ao Realismo, que assume novas características, aproximando o homem ainda mais do real, até mesmo com certo exagero.
O combate ao Romantismo torna-se ainda maior. Eles ridicularizam tudo: a vida do homem, seus sentimentos e emoções. As características passam para o lado patológico. Apresentava a coisa como era, porém notamos certo exagero para o lado negativo. A exploração sexual foi intensa, porém não apresentava o lado belo, bom e positivo do sexo, mas como uma coisa suja, nojenta e repugnante. O predomínio da razão parece passar para o lado do instinto. O homem não faz aquilo que ele quer, mas aquilo de que necessita (comer, beber, dormir, rebelar-se quando atacado, sexo quando necessário). O homem é apenas um produto do meio.
O Naturalismo no Brasil já apresentava algumas características em Machado de Assis e Raul Pompéia, mas firmou-se em 1881 com a publicação de "O mulato" de Aluísio de Azevedo. Sua obra teve uma grande aceitação na época.

Características Naturalismo
São as mesmas do Realismo, acrescidas de outras próprias do Naturalismo: Preocupação com o científico (explicar tudo através da ciência, usos de termos médicos); Comparação do homem com o animal (as mesmas necessidades); Uso de termos e palavras grosseiras; Sensualismo exagerado, desprezo pelas partes do corpo, principalmente as sexuais; A natureza como lugar apropriado para a prática erótica. Materialismo-Religião como instituição social; Domínio do ambiente sobre o homem; Vulgarização dos sentidos:sexo em qualquer lugar; Exploração das taras humanas, instintos, neuroses, cargas hereditárias, casos patológicos;

Autores e Obras
• Aluísio Tancredo Belo de Azevedo (1857 Buenos Aires 1913) Obras: "O mulato, Casa de Pensão, O cortiço, Uma lágrima de mulher, Memória de um condenado, O coruja, O esqueleto, A mortalha de Alzira, Os demônios".
• Júlio Cesar Ribeiro (1845 - Santos 1890) Obras: "A carne, O Pe.Belchior da ponte, Cartas Sertanejas".
• Herculano Marcos Inglês de Souza (1853 Rio 1918) Obras: “O missionário, O coronel Sangrando, Cenas da vida Amazônica, O calculista".
• Adolfo Ferreira Caminha (1867 Rio 1897) Obras: "A normalista, Bom crioulo, A tentação, Judith, Lágrimas de um crente, No país dos Ianques”.
• Domingos Olímpio Braga Cavalcanti (Sobral CE 1850 Rio 1906) Formado em Direito em Recife, exerce atividade jornalística. Foi republicano e promotor em Sobral. Funda a revista: "Os anais". Sua principal obra é "Luzia Homem". Ele é um dos últimos autores do Naturalismo. O livro "Luzia-Homem" focaliza o linguajar nordestino. Obras: "Luzia-homem, O Almirante". Quase toda a obra deste autor permanece inédita.
• Manuel de Oliveira Paiva (1861-1892) Escreveu duas obras: "Dona Guidinha do Poço, A afilhada".

Biografia dos Autores Brasileiros

Aluísio Azevedo
Dados biográficos
Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão em 1857 e faleceu em Buenos Aires em 1913. Foi filho do vice-cônsul português em São Luís, onde fez o primário e o secundário. Partiu para o Rio de Janeiro a convite do irmão, Artur Azevedo, trabalhando como caricaturista em jornais políticos da época, frequentou a Escola de Belas Artes da cidade. Com a morte do pai regressou à terra natal, escreveu para a imprensa e publicou seu primeiro romance: Uma Lágrima de Mulher (1880). No ano seguinte, lançou o primeiro romance naturalista brasileiro, O Mulato (1881). O livro caiu no desagrado da sociedade provinciana maranhense, mas agradou a Corte. Retornou ao Rio de Janeiro, enfrentando dificuldades econômicas, o que o levou a escrever somente para sobreviver. Prestou concurso para a carreira consular e serviu na Itália, Japão e Argentina, abdicando da carreira de escritor.
Características literárias
Introdutor do Naturalismo no Brasil, Aluísio Azevedo, inspirado por Zola (1840-1902) e Eça de Queirós (1845-1900), escreve romances para o cenário brasileiro. Sua obra, marcada de altos e baixos, retrata o meio maranhense da época, expõe preconceitos e satiriza os hábitos dos típicos moradores de São Luís. A luta do escritor se volta contra o conservadorismo e a forte presença do clero, responsável pela falta de ação dos habitantes maranhenses. Entretanto, como não é mestre na análise do íntimo de suas personagens, não cria tipos, mas dedica-se à descrição das massas, observando-as do exterior e privilegiando o relato do pormenor. Suas narrativas se organizam em torno de episódios e diálogos frequentes, geralmente, comandados por narradores oniscientes. Em O Cortiço ,sua grande obra, reúne vários tipos da sociedade do período: o português ganancioso, o negro, o mestiço e o fidalgo burguês.
Alfredo Bosi destaca como valores do escritor e legado ao romance de costumes "o poder de fixar conjuntos humanos como a casa de pensão e o cortiço dos romances homônimos". Contudo, lamenta o apego do escritor às teorias darwinistas que o impediram de "manejar com a mesma destreza personagens e enredos, deixando uns e outros na dependência de esquemas canhestros".
Principais obras
Folhetins Românticos e Romances
Uma Lágrima de Mulher (1880); O Mulato (1881); Memórias de um Condenado (1802), (reed. A Condessa Véspes); Casa de Pensão (1884); Filomena Borges (1884); O Homem (1887); O Coruja (1890); O Cortiço (1890), O Esqueleto (1890), (em colaboração com Olavo Bilac); O Livro de uma Sogra (1895).
Contos e crônicas
Demônios (1893), (contos); O Touro Negro (1938), (crônica).
Teatro
Em colaboração com Artur Azevedo: Os Doidos (1879), (comédia); Flor de Lis (1881), (opereta); Casa de Orates (1882), (comédia); Frizmark (1888), (revista); A República (1890), (revista), Um Caso de Adultério (1891), (comédia); Em Flagrante (1891), (comédia).
Em colaboração com Emílio Rouède: Venenos que Curam (1886), (comédia); O Caboclo (1886), (drama).

Júlio Ribeiro
Júlio Ribeiro, jornalista, filólogo e romancista, nasceu em Sabará, MG, em 16 de abril de 1845, e faleceu em Santos, SP, em 1o de novembro de 1890. É o patrono da Cadeira n. 24, por escolha do fundador Garcia Redondo.
Era filho do casal George Washington Vaughan e Maria Francisca Ribeiro Vaughan, professora pública, com quem fez os estudos de instrução primária, matriculando-se depois em um colégio mineiro. Deixou-o para vir estudar na Escola Militar do Rio de Janeiro, em 1862. Três anos depois, interrompia o curso militar para se dedicar ao jornalismo e ao magistério. Tinha adquirido, para essas atividades, os mais completos recursos: conhecia bem o latim e o grego e tinha conhecimentos de línguas modernas, além de conhecer música. Fez concurso para o curso anexo da Faculdade de Direito de São Paulo, na cadeira de Latim, ainda na Monarquia. Na República, de cuja propaganda participara, foi professor de Retórica no Instituto de Instrução Secundária, em substituição ao Barão de Loreto.
O jornalismo talvez tenha sido o seu campo de atividade intelectual mais constante. Foi proprietário e diretor de diversos jornais, como o Sorocabano (1870-72), em Sorocaba; A Procelária (1887) e O Rebate (1888), em São Paulo. Colaborou também no Estado de S. Paulo, no Diário Mercantil, na Gazeta de Campinas, no Almanaque de São Paulo, nos quais publicava seus estudos sobre filologia, arqueologia e erudição em geral. Foi um jornalista combativo, panfletário, polemista. Ao defender a própria literatura contra os que o atacavam, reconheceu: "Das polêmicas que tenho ferido nem uma só foi provocada por mim: eu não sei atacar, eu só sei defender-me, eu só sei vingar-me." Quanto ao filólogo, procurou ajustar o rigor lusitano da língua aos moldes do linguajar nativo. Apesar disso, a sua Gramática portuguesa envelheceu, superada pelos estudos de filólogos posteriores.
Como romancista, filia-se ao Naturalismo. Seu romance A carne (1888) constituiu grande êxito, ao menos pela polêmica então suscitada, e com ele Júlio Ribeiro ficou incorporado ao grupo dos principais romancistas do seu tempo. No momento em que foi publicado pareceu aos leitores impregnados da preocupação de exibicionismo sensual, o que provocou a irritação de muita gente. Vários críticos, entre eles José Veríssimo e Alfredo Pujol, atacaram o romance. O ataque principal partiu do padre Sena Freitas, com o seu artigo "A carniça", publicado no Diário Mercantil. O romancista, espírito orgulhoso e altivo, republicano, inimigo acérrimo de batinas, revidou com uma série de artigos intitulados "O Urubu Sena Freitas", publicados em dezembro de 1888. Este episódio está recolhido no livro Uma polêmica célebre. Não se trata de "um romance simplesmente obsceno", como dizia Pujol, nem é um romance cortado de episódios ridículos, como insinuava José Veríssimo. Manuel Bandeira, em estudo que dedicou a Júlio Ribeiro, fez justiça ao romancista e ao seu romance.
OBRAS
• Gramática portuguesa (1881)
• O padre Belchior de Pontes, romance, 2 vols. (1876-77)
• Cartas sertanejas (1885)
• A carne, romance (1888)
• Uma polêmica célebre (Edições Cultura Brasileira, 1934)
Inglês de Souza
Inglês de Sousa (Herculano Marcos I. de S.), advogado, professor, jornalista, contista e romancista, nasceu em Óbidos, PA, em 28 de dezembro de 1853, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 6 de setembro de 1918. Compareceu às sessões preparatórias da criação da Academia Brasileira de Letras, onde fundou a Cadeira n. 28, que tem como patrono Manuel Antônio de Almeida. Na sessão de 28 de janeiro de 1897 foi nomeado tesoureiro da recém-criada Academia de Letras.
Fez os primeiros estudos no Pará e no Maranhão. Diplomou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo, em 1876. Nesse ano publicou dois romances, O cacaulista e História de um pescador, aos quais seguiram-se mais dois, todos publicados sob o pseudônimo Luís Dolzani. Com Antônio Carlos Ribeiro de Andrade e Silva publicou, em 1877, a Revista Nacional, de ciências, artes e letras. Foi presidente das províncias de Sergipe e Espírito Santo. Fixou-se no Rio de Janeiro, como advogado, banqueiro, jornalista e professor de Direito Comercial e Marítimo na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais. Foi presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Foi o introdutor do Naturalismo no Brasil, mas seus primeiros romances não tiveram repercussão. Tornou-se conhecido com O missionário (1891), que, como toda sua obra, revela influência de Zola. Nesse romance, descreve com fidelidade a vida numa pequena cidade do Pará, revelando agudo espírito de observação, amor à natureza, fidelidade a cenas regionais.
Obras: O cacaulista, romance (1876); História de um pescador, romance (1876); O coronel sangrado, romance (1877); O missionário, romance (1891); Contos amazônicos (1893). Escreveu diversas obras jurídicas e colaborou na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Adolfo Caminha

Romancista, contista, poeta. Após a morte da mãe, Adolfo Caminha ficou órfão com mais cinco irmãos, e foi para a casa de parentes em Fortaleza. Seis anos depois, em 1883, mudou-se para a casa de seu tio no Rio de Janeiro, que o matriculou na antiga Escola de Marinha. Em 1886, saiu a publicação em versos de Vôos Incertos. No mesmo ano, fez uma viagem de instrução aos Estados Unidos.
No dia 16 de dezembro de 1887 foi promovido a segundo-tenente e publicou Judite e Lágrimas de um Crente, livros de conto. Em 1888, regressou a Fortaleza e envolveu-se em um rumoroso escândalo, ao raptar a esposa de um alferes. O Ministro da Marinha interferiu, mas inutilmente, e em 1890, muito pressionado de todos os lados, Adolfo Caminha se demitiu e, com a mulher e duas filhas, seguiu para o Rio de Janeiro, onde viveu como funcionário público.
Em 1891, lançou o romance A Normalista e colaborou nos jornais Gazeta de Notícias e O País. Em 1894, publicou No país dos Ianques, Fruto de sua Ida, Oito anos antes, Aos Estados Unidos. Um ano depois, os romances Bom-Crioulo e Cartas literárias. Em 1896, ano em que fundou o seminário Nova Revista, publicou o romance Tentação. Atormentado pelas dificuldades financeiras e debilitado pela tuberculose, morreu precocemente. Deixa inacabados os romances: Ângelo e O Emigrado.

Domingos Olímpio

O advogado, jornalista e romancista Domingos Olímpio Braga Cavalcanti nasceu em Sobral (CE), em setembro de 1851. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, passou a exercer a atividade jornalística somente no Rio de Janeiro em periódicos como O Comércio, Correio do Povo, Cidade do Rio e Gazeta de Notícias. Ainda na carreira de comunicação, dirigiu o periódico “Os Anais”, que contou com a colaboração de muitos escritores brasileiros e portugueses. Foi no mesmo periódico que publicou o romance “O Almirante”.
Como legado deixou diversos trabalhos entre romances e peças, muitos deles inéditos em livro. A sua obra prima, o romance “Luzia-Homem”, de 1903, foi considerado um clássico da literatura nordestina. A trama dramática, que transcorre no Ceará, envolve um triângulo amoroso entre a protagonista que dá nome ao livro e dois distintos rapazes, que disputam o seu amor.
Além dessa obra, Domingos, ou Pojucã um de seus pseudônimos, escreveu os romances “O Almirante” e “O Uirapuru” (incompleto); as peças de teatro “A Perdição, Rochedos que Choram, Túnica Nessus, Tântalo, Um Par de Galhetas, Os Maçons e o Bispo e Domitila”; o relato “História da Missão Especial de Washington”; a história “A Questão do Acre”; e a biografia “A Loucura na Política”. Para alguns, seus romances são realistas e suas prosas pitorescas. Sua morte se deu em outubro de 1906, no Rio de Janeiro (RJ).
Manuel de Oliveira Paiva

Biografia
Cursou o seminário do Crato, mas trocou a vida eclesiástica pela militar, indo estudar na Escola Militar do Rio de Janeiro, retornando à terra natal em 1883, devido a problemas pulmonares.
Teve participação ativa na campanha abolicionista, colaborando no jornal Libertador. Destacou-se, também, como membro do Clube Literário.
Sua única obra publicada em vida foi A Afilhada, novela que saiu em folhetins no Libertador em 1889. Neste jornal e em A Quinzena saíram alguns de seus poemas abolicionistas e seus contos realistas. Em livro, porém, seus escritos só seriam publicados postumamente, algumas dezenas de anos depois da sua morte.
Sua obra-prima, Dona Guidinha do Poço, escrito em 1892, é um dos maiores romances do Naturalismo brasileiro e possui uma história interessante: seus originais foram entregues pelo próprio autor ao amigo Antônio Sales, que entregou uma cópia a Lopes Filho, que a perde, e outra a José Veríssimo, que iniciou a publicação, interrompida com a falência da sua Revista Brasileira; no fim dos anos 40, porém, Lúcia Miguel-Pereira encontra uma cópia com Américo Facó, depois de intensa pesquisa. Ela publicou, finalmente, Dona Guidinha do Poço em1952.
A Afilhada ganhou edição em livro em 1961, e seus contos foram publicados pela Academia Cearense de Letras em 1976.

Obras
A Afilhada / A Quinzena / Dona Guidinha do Poço
Escrito já no final de seus 31 anos de existência, a publicação de Dona Guidinha do Poço, romance antecipador da ficção regionalista de 30, reinscreveu o autor na história da literatura brasileira meio século depois de sua morte. Na série Revisões da Graphia Editorial, com introdução, seleção e notas de Rolando Morel Pinto, professor da Universidade de São Paulo, foi editada a Obra Completa de Oliveira Paiva, que reúne aos romances citados contos e poemas.



Poemas

Vagabundo

Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!


Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.


Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando a noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.


Namoro e sou feliz nos seus amores
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada...


Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!...


Tenho meu por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.


O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.


Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.


Sinto-me um coração de lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio,
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo a Nossa Senhora e sou vadio!


Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão se unir à minha,
Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.
(Álvares de Azevedo)


Explicação: Conta a historia de um Vagabundo, fala das coisas que gosta e que não gosta. Ao beber sonha com seus amores...



A lagartixa

A lagartixa ao sol ardente vive
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão de teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sou a lagartixa.


Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.


Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores


Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha...
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.
(Álvares de Azevedo)

Explicação: Azevedo se compara a lagartixa, e faz relação com o sol (Amada) como se fosse o seu viver.